1 de dezembro de 2009

Da noite em que vi Broadcast e Atlas Sound em uma igreja e quase fui convertido

Fomos pegar um ônibus em Chinatown. Destino: Philadelphia. Com ticket na mão, em pé no corredor, ouço que não há lugares. Acabamos esperando por meia hora, na chuva, pelo próximo veículo. Coisa boba, pois veríamos Broadcast. E Atlas Sound. Em uma igreja. Por 12 dólares.

Embarcamos, finalmente. Estava podre, mas dormir naquele ônibus clandestino não seria uma boa ideia; acordar dentro de uma banheira, com um rasgo no torso, não parecia uma hipótese descabida. O alívio só veio com a visão da estação final.

Na Philadelphia, tudo foi mais tranquilo. Andamos, comemos, vimos prédios lindos. Próxima à tal igreja, havia uma loja somente de cervejas - todas geladas! A oferta era tamanha, que a escolha foi de acordo com o poder de atração do design das garrafas, uma mais linda que a outra. Seis dólares depois, com o saco de papel marrom preenchido na mão, entramos na First Unitarian Church.

Tirando a terapia de choque católica a que fui submetido durante o intercâmbio, entrei umas 5 vezes em igrejas. Achei graça, pois, da minha volta em grande estilo. A bebida alcoólica na mão era uma afronta permitida àquele local que eu tanto detestava.

Mas a rebeldia durou pouco: acabei simpatizando com o lugar. A raiva virou admiração, e a sinceridade da mensagem de tolerância até me balançou para a causa deles. Jovens, cervejas e shows de rock, dentro de uma igreja! E sem pedidos por dízimos, argumentos de venda sobre o homem de Nazaré ou qualquer restrição às apresentações das bandas. Uau. Quase me converteram. Quase.

Broadcast foi arte. Show conceitual, em que a dupla ficou no escuro e deu o palco para as projeções mais impressionates que já vi na vida, feitas por The Focus Group (Julian House), em sincronia perfeita com as músicas. Gradualmente, o repertório, que começou como experimentos abstratos em sintetizadores, foi tomando a forma das músicas que eu tanto ouvi na minha vida (Corporeal, Black Cat...) e novidades. Em alguns momentos, a supostamente serena Trish, dona daquela voz tão indiferente, vociferou: arrumem o lixo deste som. Não deve ter percebido que ninguém estava incomodado.

Broadcast - Corporeal



Depois, o fim da noite coube ao Atlas Sound. Qualquer leitor do blog sabe do meu fanatismo pela música do senhor Bradford Cox. Logo, confesso que algumas pequenas lágrimas escaparam ao ver a lânguida figura dele no palco, tão frágil, afinando e tocando múltiplos instrumentos, como se o seu destino não estivesse traçado. E o show não tinha começado ainda! Ouvir sua voz angelical, pois o local permite o uso do clichê, seria o fim.

Uma tangente explicativa: a morte costuma vir cedo para quem sofre da Síndrome de Marfan. E desarma ver que a existência de alguém tão talentoso possa ser negada por algo tão estúpido.

Mas a tristeza teve que passar, pois a música surgiu, com loops de guitarra, efeitos múltiplos, gaitas, eletricidade e acústica. A força do Atlas Sound não está em seu estilo, mas em virtudes superlativas: melodias lindas, texturas sonoras, composições que movem. E entre as canções, para dar cabo da minha depressão inicial, o raciocínio rápido de Bradford não falhava em tirar risadas da plateia.

O show foi perfeito. Nem precisava ter sido em uma igreja. Mas foi. Sentado no chão, a um metro do palco, Red Stripe no papel marrom e pilha de vinis ao lado. Não queria ir embora, mas tive que atender ao desejo do Bradford, "have a safe trip", em toda a sua delicada simpatia. A segurança da viagem, eu não podia garantir, mas a felicidade no caminho de volta seria certa.

Atlas Sound - música nova (e sensacional!)

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