No caminho de volta da lanchonete, essa comida do bairro de quando minha mãe era criança. Agora, a garoa escorre pelo vidro do carro; chove na janela muito mais forte do que chove lá fora. Aqui dentro, resto do cheiro de queijo derretido, eu, meus irmãos, corpo solto. "Mole-mole", grita Camila, entre a gente, querendo que demore mais para chegar em casa. Essa brincadeira, tantas vezes repetida, se é para direita, esquerda, a curva mais fechada, ou simplesmente o tranco de uma freada. Ou o frio na barriga que chega no sobe-desce da São Gabriel. A gente morre de rir, criança escolhe a hora e o lugar. E tudo parece para sempre. O fio de água borra o néon da propaganda, meus pais, "brincadeira de mão não acaba bem". Não acaba, mãe. Brincadeira não acaba. Queria dizer, dito, eu sei. "Mole-mole", caçula no meio, rindo; enquanto a gente acredita que a paz do domingo é por toda a semana, quase a certeza de que o mundo dura mais, sem rodar. E a buzina da Belina azul-marinho vira música. O amarelo cruza o verde num reflexo azul do farol. A noite molhada. Um cheiro de praia. Opa! Todo mundo inclinado para frente, voltando para trás, meu ombro escora a diversão dos dois, tão longe já, lá na frente, num passeio escuro e solitário, tempestade mais velha, com conhaque e "Elin", numa tarde de outono, abril de muitos anos depois.
Rodrigo Maceira
[ MP3:Federico Durand - Elin]
myspace.com/federicodurand
2 comentários:
Lindo texto, Rodrigo. Música belísima.
Obrigado, Renata! Tem mais texto no meu blog ;)
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