19 de março de 2008
mp3 do dia - the pains of being pure at heart
Todos nascemos puros, tabula rasa, e então permanecemos nesse estado. Por uns bons dois segundos.
Daí em diante, passamos por uma espécie de filtragem inversa. Durante o resto de nossos dias, ignorando o bom senso, buscamos justo aquilo que deveria ficar preso à nossa peneira existencial.
Logo aprendemos a não chorar, nem colocar o dedo na boca, nem arrotar, nem atrapalhar o sono da mamãe e do papai, embora elétricos até o último fiapo de cabelo.
Aprendemos a usar despertador, talheres, xampu, escova de dentes - sempre com o fio dental, após todas as refeições; a colocar (e não sujar) o uniforme, escrever com temas, escolher alternativas, evitar rasuras, levantar a mão para ir ao banheiro, mas não para fazer a pergunta que parece idiota. Respondê-la, então, muito menos.
Aprendemos a não mostrar interesse, "é só mais uma", mesmo com o coração palpitando, as mãos suando, os joelhos tremendo, a projeção imaginária, saindo, pegando na mão, dizendo o que se sente, para ela, os amigos, o mundo.
Aprendemos a não confiar na boa ação, no aperto de mão, na bicicleta encostada enquanto se compra o picolé, no ouvinte de uma confissão ou impressão espontânea, na testemunha de um momento de dor, fraqueza, dúvida ou medo.
Estranho esse mundo que criamos para nós mesmos, onde o sincero vira segredo; a ingenuidade, um defeito; a fragilidade, um motivo de riso. Mundo no qual ter um coração puro é motivo de dor.
E assim continuamos a nos preservar: aprendendo a representar o papel de um personagem indefinido, amorfo e sem autor, enquanto esquecemos de viver como nós mesmos.
Foi por tudo isso que bastou ler o nome dessa banda, The Pains of Being Pure at Heart, para saber que eu precisava escutá-la.
[MP3: the pains of being pure at heart - doing all the things that wouldn't make your parents proud]
[MP3: the pains of being pure at heart - come saturday]
2 comentários:
Parabéns pelo texto, adorei.
Que bom que você gostou. Muito obrigado.
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