6 de fevereiro de 2008

mp3 do dia - thinking machines

A arte costuma se renovar em contrafluxos. Cada movimento nascente é uma renúncia do presente, do mesmo status que sustentava o próprio artista revoltado - se todos adoram o vermelho, então eu odeio o vermelho. O novo, ironicamente, não existe sem o velho.

Acho curioso notar como esse antagonismo ideológico, essa angústia artística pela deposição do vigente, manifesta-se em outras áreas. Lembro-me de uma conversa com um amigo cardiologista, que disse que a sua área, depois de anos de glamurização dos cirurgiões cardíacos, hoje tem repulsa por tirar bifes dos pacientes.

Na música, é claro que existem inúmeros casos do fenômeno. Um deles é o do post-hardcore. Depois de anos de 4 acordes, gritos e tempo acelerado, em um gênero cujos fãs consideram mudanças como traição, algumas das bandas do hardcore começaram a se aprimorar no seu ofício, tanto nos instrumentos, quanto nas influências musicais. De repente, aquele pequeno nicho cheio de dogmas era pequeno demais para elas e as suas aspirações artísticas. Mais: agora, ele causava-lhes até ojeriza.

Assim nasceu o post-hardcore, lá pela metade dos anos 80. Surgiram bandas como Fugazi, Quicksand, Drive Like Jehu e Unwound, cheias de grooves, altos e baixos, tempos mais lentos e quebrados, dissonâncias, elementos de outros gêneros musicais, letras com novas temáticas e, acima de tudo, um claro pavor ao 4/4. O peso ainda era mantido, mas a música ficava cada vez mais técnica, quase que de forma caricata, como se fosse uma prova de que os supostos ogros sabiam tocar, e muito, os seus instrumentos.

Como era de se esperar nessa dinâmica de contrafluxos, o post-hardcore morreu. Foi lá pelo final dos anos 90, nos meus cálculos, substituído pelo math rock, ainda mais técnico e alheio a convenções, e o emo, pregando menos peso, mais melodia e, claro, emoção sobre técnica. Portanto, é gratificante ouvir A Complete Record of Urban Archaeology (2008), terceiro disco do Thinking Machines, uma banda tão deslocada de sua época que, ao tocar música conforme o parágrafo acima, faz o datado soar novo. Hoje em dia, quem mais tocaria os sensacionais 45 segundos finais de Guts?







[MP3: thinking machines - guts]

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